quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Pessoas que não sentem dor

Pessoas que não sentem dor

O menino de 10 anos se exibia andando sobre brasas e perfurando seus braços com facas. Seus braços apresentavam feridas abertas e seus pés queimaduras graves. Ele não sentia dor. Foi este pequeno paquistanês que levou um time de cientistas a procurar outras famílias com a mesma doença. Foram localizadas três famílias, uma com três crianças afetadas outra com duas e uma com uma menina afetada, um total de 6 pacientes. O menino que despertou o interesse dos cientistas não pode ser incluído no estudo porque morreu ao saltar de um telhado. Examinando os outros pacientes se constatou que eles realmente não sentiam dor, mas possuíam o sentido do tato inalterado e eram capazes de sentir pressão, calor e frio. Todos eles haviam perdido parte da língua e dos lábios após terem se mordido acidentalmente na infância, além disso, muitos apresentavam um grande número de cicatrizes no corpo e diversas fraturas nos membros.

A árvore genealógica das três famílias mostrou que todas as crianças afetadas eram filhos de casamentos consangüíneos, geralmente entre primos de uma mesma família. Isto demonstra que a doença é hereditária e só se manifesta se pessoa herdar duas cópias do gene defeituoso, uma da mãe outra do pai. Como o gene alterado é muito raro na população a probabilidade de uma pessoa afetada surgir de um casamento entre famílias distantes é extremamente baixa.

Analisando o DNA dos membros das três famílias e de posse da seqüência completa do genoma humano, foi relativamente fácil descobrir que o gene defeituoso estava no cromossomo 2. Uma análise mais detalhada permitiu localizar o gene e revelou que o mesmo gene estava alterado nas três famílias. O gene, cujo nome é SCN9A, já havia sido descrito. Ele é responsável pela produção de uma proteína envolvida na transmissão dos sinais elétricos nas células do sistema nervoso. Apesar de o gene alterado ser o mesmo nas três famílias a alteração que levou o gene a perder sua função é diferente em cada família. O curioso é que existe uma outra doença, descrita faz muitos anos, na qual este mesmo gene esta envolvido. Pacientes com esta doença, chamada de erythermalgia, possuem uma versão hiper-ativa do gene SCN9A e sentem dores fortíssimas, como se fossem queimaduras, quando encostam em um objeto morno. O fato da ausência de funcionamento deste gene levar a uma total incapacidade de sentir dor, associado à observação que pessoas que possuem uma versão mais ativa deste gene sentirem dor forte em condições nas quais a pessoas normais só sentem um incômodo, confirma que este gene está diretamente envolvido com o mecanismo da dor.

Apesar de a medicina ter a seu dispor dezenas de analgésicos e anestésicos nenhuma destas moléculas age diretamente sobre a proteína produzida pelo gene SCN9A. Esta descoberta deve permitir o desenvolvimento de uma nova família de moléculas capazes de bloquear a atividade da proteína codificada pelo gene SCN9A, isto permitiria bloquear totalmente a dor sem induzir o sono. A história que une uma criança que se auto flagelava em uma feira do Paquistão a um medicamento capaz de suprimir a dor é mais um exemplo dos caminhos sinuosos da pesquisa científica.

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